terça-feira, 22 de abril de 2008

"Guerra da Matemática" em Lisboa

Retirado do educare: http://www.educare.pt/educare/Opiniao.Artigo.aspx?contentid=49E562C5741D1E4EE04400144F16FAAE&opsel=2&channelid=0 Esteve em Lisboa, a convite da Sociedade Portuguesa de Matemática, o Professor Hung-Hsi Wu da Universidade de Berkeley. Trata-se de um crítico da "Guerra da Matemática" (Math Wars), polémica despoletada em 1989, nos Estados Unidos, com a publicação de "Normas para o Currículo e Avaliação da Matemática Escolar" (Curriculum and Evaluation Standards for School Mathematics). Neste documento, membros do Conselho Nacional dos Professores de Matemática (NCTM, no acrónimo em inglês) defendiam um novo conceito de ensino. Pretendia-se remeter para segundo plano a memorização e as abordagens algorítmicas em prole do uso da calculadora, incentivando a compreensão, a "criatividade" e uma maior participação dos alunos na sala de aula. E assim se abriram as hostilidades entre os defensores desta nova corrente e os defensores de um ensino mais "tradicional", assente na apresentação estruturada, coerente e progressiva dos conceitos matemáticos e na aprendizagem dos algoritmos clássicos de cálculo, fruto de séculos de aperfeiçoamento. O conflito escalou ao ponto de o presidente George Bush intervir e criar, em 2006, um painel - o National Mathematics Advisory Panel - encarregue de estudar os diferentes aspectos desta contenda e apresentar soluções e recomendações. O Professor Wu foi convidado a integrar esta equipa. O relatório final deste painel, que veio a público já em 2008, apresenta várias conclusões interessantes. Por exemplo, defende que a mecanização e a compreensão são duas faces de uma mesma moeda e não devem ser vistas em oposição, como frequentemente acontece. Outra conclusão interessante é a de que o uso de calculadoras não é útil no ensino de Matemática, apesar de tal não estar demonstrado que o prejudique. Na realidade, o painel afirma que são necessários mais estudos sobre este assunto. O Professor Wu deu duas palestras durante a sua estadia: "Será que as elevadas taxas de insucesso em Matemática são uma fatalidade?", no Instituto Superior de Economia e Gestão, e "Como ensinar aos professores de Matemática a matemática de que precisam?", na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. A formação de professores é, aliás, uma das suas grandes preocupações. Wu defende que os professores devem receber uma formação científica mais sólida. Por muitas qualidades pedagógicas que se possua, não é possível ensinar aquilo que não se domina: é o conteúdo que deve condicionar a prática pedagógica e não o inverso. A este propósito, aconselhamos vivamente a leitura do excelente artigo "Fractions, decimals and rational numbers". Wu explica que grande parte dos alunos (e professores) vê o conjunto dos números racionais como fatias de uma pizza. Ora isto só seria útil para o ensino da Matemática se soubéssemos multiplicar e dividir fatias de pizza umas pelas outras. Por vezes, o uso de objectos da vida real para ilustrar conceitos matemáticos abstractos é abusivo e contraproducente: Wu propõe uma abordagem mais abstracta dos números racionais, matematicamente mais correcta e, por incrível que pareça, bem mais simples! Este e outros artigos de grande interesse estão disponíveis gratuitamente na sua página, em http://math.berkeley.edu/~wu/. Filipe Oliveira, SPM Gosto daquela parte das fatias de pizza. Acho que exemplos desse género são muito úteis no início da abordagem dos números fraccionários. Mas há o perigo de esquecer uma abordagem científica séria (com a profundidade possível de acordo com o ano de escolaridade, claro está). É curioso que, caso não se saiba abandonar os exemplos práticos e fazer uma abordagem mais aprofundada, aquilo que deveria motivar e simplificar, acaba por complicar. Concordo com a interdisciplinaridade, a utilização de exemplos reais na abordagem da matemática, a recuperação de questões interessantes da história da matemática, a realização de jogos, a referência a curiosidades da matemática... Por outro lado, discordo totalmente de tratar as crianças e jovens como uns meninos muito frágeis que podem ficar traumatizadinhos se lhes exigir que saibam a tabuada, ou o algoritmo da divisão. Há algumas coisas que não podem ser compreendidas por alunos tão novos, mas é necessário que as saibam. A adição pode ser ilustrada, partindo depois para a utilização do algoritmo, mas ilustrar o algoritmo da multiplicação ou da divisão no 1º ciclo não é razoável (eu compreendo-os mas não explicaria a esses alunos a base teórica). Isto não significa que só devam aprender a dividir quando tiverem capacidade para perceber o algoritmo, pois não? É importante motivar e procurar estratégias que ajudem a aprender matemática, mas não se pode com isso deixar de ensinar matemática.

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